Carta a ti, filho (a dias de te ter cá fora)
Comecei a sonhar-te há muitos anos. Primeiro sem saber, diz quem sabe que o ser humano começa a preparar-se para ter filhos aos 18 meses, altura em surge a consciência do tempo. Por isso sonho-te desde a altura em que era ainda uma criança e brincava com o meu bebé, o boneco de pano que levava, e babava, para todo o lado. Depois com as bonecas Ana e Catarina, que vestia e despia, punha e tirava da escola, dava e corrigia trabalhos de casa. Já aí eu te sonhava, tantos anos antes de te trazer aqui dentro, como agora. A dias de te ver cá fora, e ansiosa de te ver (e ter) cá fora, revejo o caminho que fiz para chegar a ti. A infância (a escola, as amigas de sempre, os bonecos, a segurança da casa e dos pais, as brincadeiras com os primos, as folhas de cheiro, a carrinha do avô e os bolos da avó, o quintal de Proença e os dias e noites de verão, as histórias inventadas com a outra avó entre pedacinhos de queijo, o pão com manteiga e os livros, as cassetes de música e VHS que gravava em repeat), a aventura da adolescência com todos os seus quês e porquês (os amigos, o café, os limites, a pertença, as dúvidas, o encontro e o confronto entre o que somos e o que desejamos), o início da vida adulta (e mais quês e porquês apesar de algumas certezas no caminho, as casas por onde passei, a casa onde me encontrei, as pessoas que conheci, os medos e desilusões que fazem parte dos percursos, a alegria das conquistas, os passos felizes, as histórias que a profissão permite contar, o teu pai, eu e o teu pai, as viagens, os momentos ). Comecei a sonhar-te há muitos anos. E agora que estou a dias de te conhecer só peço Ser a melhor mãe do mundo para ti. Não a melhor mãe do mundo para o mundo, mas a melhor mãe do mundo para ti. Saber ler-te, primeiro: saber se é fome, se é frio ou são cólicas. Proteger-te sem te sufocar de proteção. Fazer com que saibas que estou do teu lado, sempre, mesmo que não esteja na mesma divisão. Educar-te para os afetos e para o otimismo, para a expressão do que sentimos, para os abraços, as palavras, as brincadeiras e os livros. Para a felicidade das coisas simples como a chuva da janela, um petisco improvisado à mesa e um passeio no parque, sem deixar de te ajudar a sonhar com as mais complexas. Deixar-te crescer com margem, mas nunca estando à margem dos teus sonhos. Vais ter muitos, meu amor, ao longo do caminho. Viver é avassalador. Acarreta surpresas e descobertas, nem sempre é fácil, é verdade, mas vale tanto a pena, confia em mim. Estou a dias de te conhecer e tenho muitas mais coisas para te contar. Mas temos tempo, filho. Por agora quero dizer-te que podes vir sem medos, que estamos todos prontos para te receber. De braços e coração. Sonho contigo há muitos anos. Mas nada me preparou para a felicidade de te saber quase aqui.